Essa tática
inusitada ganhou destaque e avança a passos largos. Prova disso é o
aparecimento do ipilimumabe, fármaco já aprovado nos Estados Unidos
- e que deve desembarcar no Brasil nos próximos meses - para tratar
o melanoma, um tipo extremamente agressivo de tumor de pele. "As
células cancerosas, apesar de possuírem alterações, têm semelhanças
com as saudáveis, e isso faz com que o sistema imunológico não as
veja como ameaça. O ipilimumabe tira o freio das nossas defesas,
deixando-as propensas a identificar e atacar a doença", esclarece
Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital
Sírio-Libanês, em São Paulo, onde parte das pesquisas com a droga
foram realizadas, e autor do livro Como Superar o Câncer, publicado
por SAÚDE. "A utilização dela aumentou em quatro meses a sobrevida
dos pacientes. E isso é apenas uma média. Há casos em que o tempo
foi significativamente superior", ressalta Hoff.
Por atuar nos glóbulos brancos, em tese o remédio deixaria o
organismo mais preparado para debelar outros cânceres além do
melanoma. "A lógica realmente faz sentido, mas são necessários
estudos para corroborar essa teoria", avisa o oncologista Ricardo
Caponero, da Clínica de Oncologia Médica, na capital paulista. O
fato é que o medicamento se mostrou eficiente e, acima de tudo, foi
bem tolerado por quem recebeu suas doses.
O ipilimumabe é um anticorpo monoclonal, unidade de defesa feita em
laboratório que age em moléculas específicas no exterior de uma
célula. "A diferença é que a nova droga atua diretamente no sistema
imune, enquanto as outras da mesma classe se ligam ao câncer para
avisar que ele está ali e deve ser exterminado", diferencia Caponero.
Acontece que, antes de criar essas armas teleguiadas, é preciso
achar alvos, ou melhor, antígenos onde elas possam fazer seu
trabalho. "E cada tipo de tumor tem antígenos únicos", diz a
radioterapeuta Deborah Kuban, diretora do MD Anderson Cancer Center,
nos Estados Unidos.
Em outras palavras, a luta contra esse mal tende a ficar mais
individualizada, porque os medicamentos começam a agir, de maneira
bem eficaz, em mecanismos restritos a poucas versões da enfermidade.
"Já estão disponíveis tratamentos sob medida para uma série de
variações e esperamos que, no futuro, tenhamos opções para todas",
afirma Sérgio Simon, oncologista do Hospital Israelita Albert
Einstein, em São Paulo.
Na contramão, pesquisadores da americana Universidade Stanford estão
em busca de um remédio com potencial para arrasar muitos tumores
distintos sem danificar tecidos saudáveis. Em testes com
camundongos, eles encontraram a proteína CD47, presente em cânceres
de mama, ovário, cólon, bexiga, fígado, entre outros, e que, ao ser
travada por um anticorpo monoclonal, inibia o crescimento da doença.
"Isso mostra que essa proteína é um alvo promissor", opina o
patologista Irving Weissman, envolvido no projeto. Embora animadora,
a descoberta é vista com cautela. "Mesmo que o antígeno seja comum a
vários tumores, em seres humanos a resposta ao seu bloqueio pode ser
diferente de um caso para outro", contrapõe Hoff.
Abaixo
a resistência!
Frequentemente se observa uma terapia surtindo efeito a princípio,
mas que, logo depois, não contém mais o avanço do câncer. "Por isso,
é fundamental contar com um arsenal vasto como o que começamos a ter
hoje em dia. Quando um tratamento para de funcionar, outro o
substitui", explica Carlos Henrique Barrios, oncologista da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
A resistência se instala devido a mutações que ocorrem no DNA das
células cancerosas. Ainda bem que surgem maneiras de ao menos
postergá-las. Um bom exemplo é o everolimo. Esse novo fármaco
retarda a adaptação de um tipo de tumor de mama à hormonioterapia,
que diminui a atuação de hormônios por trás do mal. Com ele, o tempo
de sobrevida médio das mulheres acometidas por essa moléstia mais do
que duplicou. "Os resultados são tão impressionantes que acreditamos
se tratar de um dos maiores progressos dos últimos 20 anos", analisa
Barrios.
Os radares que flagram o câncer também passaram por uma
modernização. "A acurácia dos métodos de detecção está maior e
começamos a utilizar reagentes que tornam as imagens mais nítidas",
destaca Hoff. Explica-se: antes da avaliação em si, é administrada
uma substância que, ao entrar em contato com determinado tumor,
promove uma reação química visível no exame. Isso ajuda a enxergar
melhor a extensão e a agressividade do problema.
"Estamos chegando a um momento em que o diagnóstico poderá ser feito
por meio de procedimentos simples e com menos trauma ao paciente",
assegura Deborah. Uma amostra de sangue, hoje, já ajuda o médico a
verificar a existência de um câncer de próstata. E espera-se que
daqui a pouco tempo esteja disponível um exame de fezes que acuse a
presença de um tumor no intestino. Isso, além de dar mais segurança
ao oncologista sobre o que está enfrentando, vai evitar que muita
gente passe sem necessidade por métodos como a colonoscopia, tão
eficiente quanto invasiva. "Como todos os cânceres são banhados por
sangue, talvez no futuro consigamos identificar qualquer um deles
com uma mera avaliação do líquido vermelho", aposta Hoff. Ao longo
da história, esse inimigo se mostrou mais perspicaz do que
imaginávamos. Mas a ciência, sempre no seu encalço, está cada vez
mais próxima de agarrá-lo.
Um olhar
mais humano
A ideia de dar força para a própria pessoa vencer o câncer não está
restrita à farmacologia. "O bem-estar vem associado a melhores
respostas do sistema imune, e isso influencia no tratamento",
garante Alfredo Barros, mastologista da Universidade de São Paulo.
Daí a importância dada hoje a cuidados mais integrais, que abordam
desde a psicologia até a nutrição.
O que breca a evolução do tratamento
Estima-se que 1 bilhão de dólares são gastos para o desenvolvimento
de cada novo remédio. Esse valor gera dependência da indústria
farmacêutica, porque as universidades e outros centros geralmente
não conseguem pagar a conta. Aí, o ritmo dos avanços na área
diminui. Afora isso, a burocracia para realizar uma pesquisa desse
tipo é enorme. "Precisamos ter mais gente lidando com a papelada do
que trabalhando nos experimentos em si", lamenta Paulo Hoff.
O progresso do anticorpo monoclonal
As primeiras versões dessa arma eram feitas só com DNA de
camundongos. Mas novas técnicas possibilitaram a criação de
anticorpos monoclonais com parte dos nossos genes. Atualmente, há
alguns inteiramente humanos e, logo, menos propensos a gerar
alergias ou a serem rejeitados pelo sistema imune.
Melhorias para ambos os sexos
Graças aos últimos avanços, tumores como o de mama, muito comum nas
mulheres, e o de próstata são mais facilmente superados.
Mulheres
Além da droga everolimo, que aumenta o tempo e a qualidade de vida
diante de tumores na mama, as cirurgias estéticas atuais trazem
resultados ótimos. Assim, quando é preciso tirar parte da glândula,
o espelho não vira oponente do bem- estar.
Homens
Já há um ultrassom altamente preciso para eliminar o câncer de
próstata. "Ele atenua o risco de infertilidade e de órgãos
adjacentes serem afetados", diz Gustavo Guimarães, diretor de
urologia do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, onde o aparelho é
usado.
Tradicionais, porém não desatualizados
Quimioterapia
As drogas são menos tóxicas do que antes e, no presente, existem
alternativas à disposição dos especialistas para controlar as
reações adversas.
Radioterapia
As máquinas emitem raios que contornam o tecido saudável sem
atingi-lo em cheio. Com isso, lesões em órgãos próximos ao tumor são
minimizadas ao mesmo tempo que a potência da radiação sobe, tornando
o tratamento ainda mais letal contra a doença.
Cirurgia
Fora as operações robóticas, que geram menos danos nos arredores da
intervenção, técnicas foram criadas para alcançar regiões de difícil
acesso, como o assoalho pélvico.
O novo aliado: o
ipilimumabe estimula o organismo a se defender
Vilão
camuflado
Existem
linfócitos cujo papel é regular a atividade das outras células de
defesa. Apesar de essenciais em certas condições, eles inibem o
trabalho desses soldados diante do câncer por não o enxergarem como
um malfeitor.
2. Ataque liberado
O ipilimumabe se liga a uma proteína da superfície desses linfócitos
chamada CTLA-4. Ao fazer isso, o medicamento desativa esses
reguladores naturais e, com isso, deixa o sistema imunológico
terrivelmente agressivo.
3. Sem lugar para se
esconder Como não há
mais nada para contê-los, os anticorpos conseguem identificar o
tumor e, a partir daí, usam todos os recursos disponíveis para
aniquilar cada uma de suas partes.
Um para
todos: como funciona a droga que destruiria vários cânceres
1. Um mal diplomático
Aparentemente, grande parte dos tumores tem uma proteína chamada
CD47. Em tese, ela envia uma mensagem para que as tropas do
organismo não iniciem o bombardeio em massa.
2. Relações rompidas
O anticorpo monoclonal anti-CD47, ao entrar em contato com seu alvo,
cortaria essa sinalização. Então, nossas defesas naturais partiriam
para cima do oponente, seja ele de qual tipo for.
Os mais
frequentes
Veja os tumores com maior
incidência em cada sexo (os dados não levam em conta cânceres de
pele não melanomas / fonte: Inca).
fonte
revista
saúde abril | por Theo Ruprecht | design
Pilker | infográmcos Pilker e Éber Evangelista |