Após
analisarem dados epidemiológicos que relacionam altos índices da
partícula a demências, por exemplo, cientistas da Universidade
Vanderbilt, nos Estados Unidos, decidiram averiguar o que estaria
por trás desse fenômeno. Valendo-se de equipamentos modernos, eles
descobriram que o protagonista da reportagem está intimamente ligado
ao surgimento das famigeradas proteínas beta-amiloides. "Essas
moléculas danificam células nervosas, promovendo a doença de
Alzheimer", ensina o bioquímico Charles Sanders, coordenador da
pesquisa.
"O trabalho americano nos ajuda a compreender o motivo pelo qual
observamos um acúmulo de placas beta-amiloides ao colocarmos
neurônios em um meio de cultura repleto de colesterol", enfatiza o
neurologista Paulo Caramelli, da Universidade Federal de Minas
Gerais. "Mas ele não explica por que existe uma associação,
principalmente em pacientes acima dos 75 anos, entre a doença de
Alzheimer e problemas vasculares", contrapõe.
Há, claro, quem acredite que esse vínculo seja resultado da idade
avançada. Em outras palavras, indivíduos nessa faixa etária
tenderiam a sofrer mais com ambos os transtornos simplesmente pelo
fato de o corpo estar envelhecendo. Essa, entretanto, não é a única
hipótese levantada pelos especialistas. "Taxas elevadas de
colesterol provocam inflamações nos vasos, que, ao longo dos anos,
também dificultam a passagem de sangue", ressalta Angelina Zanesco,
fisiologista do Instituto de Biociências da Universidade Estadual
Paulista, em Rio Claro. Se a artéria comprometida é uma que chega à
massa cinzenta, as células nervosas deixam de ser abastecidas
adequadamente com o líquido vermelho. Resultado: elas param de
funcionar direito por falta de nutrientes, o que contribuiria para o
extermínio das memórias.
Outro mal que às vezes implica queima de arquivos mentais atende
pelo nome de derrame isquêmico - o bloqueio por completo do fluxo
sanguíneo acaba matando os neurônios, digamos, de fome. Em várias
situações, a obstrução decorre do excesso de colesterol circulante.
Quando o assunto é diabete, invariavelmente se fala em glicose. Mas
adivinhe que outra molécula está envolvida com a enfermidade. "O
excesso de colesterol no pâncreas atrapalha a fabricação de
insulina, responsável por colocar o açúcar para dentro das células",
revela Francisco Helfenstein Fonseca, cardiologista e coordenador do
Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da Universidade
Federal de São Paulo. E, com doses a menos desse hormônio na
circulação, a glicemia sobe que nem foguete. Por outro lado, quando
você tem bastante HDL, aquela espécie de faxineiro da circulação, a
probabilidade de desenvolver ou agravar o quadro diminui.
Nem as articulações estão a salvo da avalanche de colesterol. "Ele
facilita o aparecimento de crises de gota", exemplifica Ricardo
Fuller, chefe do Ambulatório de Reumatologia do Hospital das
Clínicas de São Paulo. Esse distúrbio, caracterizado por inchaço e
dores intensas nas juntas - principalmente no dedão do pé -, depende
de processos inflamatórios para dar as caras. Ao que tudo indica,
taxas expressivas da substância em questão auxiliam a alastrar esse
incêndio.
A artrite reumatoide, outro mal que ataca as juntas, propiciando
incômodos, perda de movimento e deformações, também pode ser
agravada por você já sabe quem. "Aliás, uma pesquisa deste ano
verificou falhas na função do HDL de quem possui a doença", reforça
Fuller. Mesmo assim, ainda faltam evidências sólidas de que o
tratamento para controlar o colesterol beneficie pessoas com
desordens reumatológicas.
No futuro, a ciência deve oferecer uma resposta definitiva para essa
dúvida. Outra pergunta é se a partícula abordada aqui seria o
estopim para cânceres. "Segundo alguns estudos, o uso de estatinas,
medicamentos que reduzem a concentração dessa molécula no sangue,
previne tumores como o de próstata, mama e intestino", afirma Samuel
Aguiar Júnior, cirurgião oncologista e diretor do Núcleo de Tumores
Colorretais do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. "Só que esses
trabalhos são poucos e ainda controversos", ressalva.
Um vestígio extra desse possível elo é o de que levantamentos
populacionais definem sujeitos com pouco LDL e muito HDL como mais
protegidos contra o câncer. "Resta saber se o dado encontrado é
consequência do colesterol ou se hábitos saudáveis, que regulam seus
níveis ao mesmo tempo que trazem outras melhorias para o organismo,
são os verdadeiros responsáveis pelos números encontrados", pondera
Aguiar Júnior.
O que doma o colesterol
Quando descobrimos que grande parte dessa substância é manufaturada
no fígado independentemente da alimentação, muita gente supõe que
quase não adianta tomar cuidado com o que ingerimos. "Essa impressão
não poderia estar mais equivocada", garante Raul von der Heyde,
nutricionista da Universidade Federal do Paraná. "Por exemplo: o
consumo de gorduras saturadas, presentes no óleo de dendê, em carnes
e no leite, aumenta significativamente os índices de colesterol,
sobretudo de LDL, na corrente sanguínea", argumenta o especialista.
Se as gorduras saturadas culminam em mais LDL, as poli-insaturadas
das nozes e do salmão fazem exatamente o contrário. "Mas elas, se
ingeridas além da conta, infelizmente reduzem os níveis de HDL",
lamenta Raul von der Heyde. Por isso, nada de abusar - o ideal é que
elas componham não mais do que 10% do total de calorias do dia.
Também aposte nas fibras solúveis. Junto com a água, elas formam um
gel no intestino que impede o colesterol de ser absorvido. Para
abastecer seus estoques do nutriente, invista em frutas como maçã,
laranja e pera ou lance mão da aveia. Só não se esqueça de beber
H2O. Caso contrário, os benefícios se esvaecem.
Por mais que certos estudos vinculem o azeite de oliva e o abacate,
fontes de gordura monoinsaturada, com mais HDL no sangue, não existe
uma verdadeira comprovação de que isso ocorre. Se o objetivo é
incrementar a concentração dessa aliada da saúde, a melhor
estratégia atende pela alcunha de atividade física. "Os exercícios
não apenas aumentam o número das moléculas como melhoram a qualidade
delas", acrescenta Maria Teresa Zanella, presidente do Departamento
de Dislipidemia e Aterosclerose da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia.
Para obter a benesse, são necessários esforço e um pouco de
paciência. "A intensidade precisa ser de moderada a alta. Após três
meses de prática esportiva constante, as mudanças começam a surgir",
informa a fisiologista Angelina Zanesco. Com o colesterol sob rédeas
curtas, as memórias de uma vida livre de diabete, câncer e dores nas
articulações têm tudo para ficar na sua cabeça. |